COMO FUNCIONAM?
Por mais estranho que pareça,
protestos costumam seguir uma certa “ordem”. Os manifestantes marcam
hora, local, aguardam até terem um número satisfatório de pessoas e
marcham em linha, como um grande bloco. Normalmente, há uma rota
determinada a se seguir até o ponto final. Seria assim, em ordem, se não
fosse o imprevisível. Às vezes algo dá errado e a tal ordem pode não
ser a esperada pela polícia. É aí que entra em cena o elemento símbolo
dessa incompatibilidade de gênios: a bomba de gás lacrimogêneo.
Nesta semana, São Paulo, Rio de
Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre e demais capitais que seguem a
série de protestos recentes, motivados inicialmente pelo aumento da
tarifa do transporte público, viram o que acontece quando algo “dá
errado”. A polícia age sob a orientação de dispersar a multidão e
reassumir o controle da situação. Cassetetes e balas de borracha compõem
o elenco. Mas o protagonista, a bomba de gás, é a responsável por
instalar o caos e a correria.
O armamento utilizado nesse tipo de
situação deve ser o não-letal e o seu uso deve ser moderado. Nesses dois
pontos há um problema: há frentes que argumentam que bombas de gás
lacrimogêneo podem ser letais, e o modo como ela é utilizada pela
polícia é o principal fator a favor da tese.
Bombas de gás lacrimogêneo são
estruturas de metal disparadas por armas lançadoras que, após explodir,
liberam um gás basicamente composto de 2-clorobenzilideno malononitrilo,
o chamado gás CS. Trata-se de uma substância sólida que misturada a
solventes toma a forma de aerosol ácido, que em contato com os olhos
causam lacrimajemento intenso e queimação.
Por se tratar de um gás lacrimogêneo,
as reações deveriam parar por aí, mas a lista do Centro de Controle e
Prevença de Doenças dos Estados Unidos segue. O nariz libera coriza, a
boca sofre irritação, a vítima baba e sente náuseas; se respirado, o gás
provoca tosse e asfixia. Em exposição prolongada, estimada em uma hora,
os efeitos podem ser ainda mais graves levando a vítima a desenvolver
lesões na córnea ou cegueira, garganta e pulmões podem sofrer
queimaduras avançadas e a asfixia pode ser completa.
O gás lacrimogêneo é enquadrado como
um agente psicoquímicos, considerado um “incapacitante” pelo Exército
brasileiro, o que o diferencia dos agentes causadores de mortes, como os
neurotóxicos (afetam o cérebro), os hemotóxicos (corrente sanguínea) e
os sufocantes. Segundo um artigo do Instituto Militar de Engenharia
(IME), de 2012, essa diferenciação pode não ser tão exata assim. “A
linha que separa os agentes causadores de baixas e os incapacitantes é
tênue, pois em altas concentrações qualquer agente incapacitante pode
causar baixas.”
Um número considerável de mortes
relacionadas a bombas de gás lacrimogêneo já foi registrado. Uma mulher
de 36 anos morreu por insuficiência respiratória e parada cardíaca
durante um protesto na Palestina, em 2012. No Bahrein, 36 mortes foram
catalogadas (inclusive a de um garoto de 14 anos) pelo organização
internacional Physicians for Human Rights, que ao lado da Facing Tear
Gas e da Anistia Internacional são as maiores ONGs à frente do confronto
contra a bomba de gás, para a qual defendem o enquadramento como arma
química.
A outra crítica não é pelo conteúdo,
mas pela forma. As bombas de gás são disparadas por armas que
proporcionam um alcance de até 150 metros. Legalmente, o disparo deve
ser feito sob um ângulo de 45º para que a explosão da bomba se dê no ar,
antes de entrar em contato com o alvo. O que acontece é que nem sempre
essa regra é respeitada, e a bomba acaba virando uma grande “bala”. Em
dezembro de 2011, Mustafa Tamimi, de 28 anos, foi morto após ser
atingido por uma bomba de gás no rosto.
Em Istambul, na Turquia, a fumaça
branca já compõem a paisagem típica da cidade. Por lá, o uso de bomba de
gás tem sido “inapropriado”, segundo a Anistia Internacional. Bombas já
foram lançadas dentro de hotel, na cara de manifestantes ou em forma de
spray diretamente no rosto de manifestantes pacíficos, como a “mulher
de vermelho”, símbolo da repressão turca.
Produção brasileira
A Facing Tear Gas mobiliza sua
campanha contra governos e empresas fabricantes desse tipo de armamento.
No mundo, eles destacam seis. Uma delas é a brasileira Condor, baseada
no Rio de Janeiro, responsável pelas bombas de gás utilizadas na
Turquia.
Lá manifestantes fotografaram as
bombas utilizadas na Turquia, entre elas estão a GL 310 – a chamada
“bailarina”, por se movimentar após a combustão, impedindo de ser
capturadas e arremesadas de volta
A empresa exporta 30% da sua produção.
Já vendeu mais de US$ 10 milhões para a Turquia em 2011 e US$ 12
milhões para os Emirados Árabes Unidos em abril deste ano. Por aqui, a
Condor selou contrato de R$ 49,5 milhões para fornecimento de armas
não-letais para uso da polícia durante os eventos esportivos, segundo a
agência Pública. A exportação de material bélico é incentivada pelo
governo brasileiro, que isentou o setor de impostos desde 2011.
A venda indiscriminada de armas a
países sob ditadura é alvo de críticas. O Itamaraty afirmou ter iniciado
uma investigação sobre a Condor após um bebê ter sido morto por
substâncias do gás vendido pela empresa no Bahrein. A empresa alega
respeitar os padrões internacionais de segurança.
Nenhum comentário:
Postar um comentário